quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Para escrever amor nos braços dela

A banda Pedro The Lion está tocando alto no som do carro e a cidade nos espera do lado de fora das janelas abertas. Ela senta e canta, pernas cruzadas no assento do passageiro, a bonita voz dela escondida no volume. A música é um lugar seguro, e Pedro The Lion é sua banda favorita. Me atinge o fato de que ela não verá esse horizonte por várias semanas, e que nós estaremos sem ela. Eu me inclino para a frente, sabendo que isso será escrito, e pergunto a ela o que diria se essa história tivesse audiência. Ela sorri. “Diga a eles para olhar pra cima. Diga a eles que se lembrem das estrelas.”

Talvez fosse melhor eu escrever uma música pra ela, porque músicas não esperam se resolver, e porque músicas significam muito pra ela. Histórias esperam por finais, mas músicas são corajosas e fortes o suficiente pra cantar quando tudo o que conhecem são trevas. Essas palavras, como muitas outras, serão escritas próximas da meia noite, entre a tempestade e a calmaria, enquanto ambas tentam alcançá-la.

Renee tem 19 anos. Quando eu a conheci, a cocaína estava fresca em seu organismo. Ela não dormia havia 36 horas e não iria dormir nas próximas 24 horas. Havia tomado uma mistura familiar de Coca-Cola, maconha, pílulas e álcool. Ela concordou em nos encontrar, nos ouvir e nos deixar orar. Nós perguntamos à Renee se ela gostaria de vir conosco, deixar para trás essa noite falida. Ela diz que irá para a reabilitação amanhã, mas que ela não está pronta agora. É uma mudança muito grande. Nós oramos e nos despedimos e é difícil ir embora sem ela.

Ela conheceu tanta dor; sonhos assombrosos na infância, a presença quase constante do mal desde então. Ela sentiu o toque de horríveis homens nus, lutou contra a depressão e o vício, e tentou o suicídio. Seus braços trazem marcas das lâminas, cinqüenta cicatrizes que lembram dos cortes feitos por ela mesma. Seis horas depois que eu a conheci, ela está se sentindo presa, com dois grupos de “amigos” oferecendo caminhos opostos. Todos estão dormindo. O sol está nascendo. Ela dá um grande gole em uma garrafa de licor, pega uma gilete na mesa e se tranca no banheiro. Ela se corta, usando a lâmina para escrever “FUCK UP” (o mesmo que “FODA-SE” em português) bem grande em seu antebraço esquerdo.

A enfermeira no centro de tratamento encontra o ferimento várias horas depois. O centro não tem detox (dieta de desintoxicação), classifica ela como um grande risco, e não a aceita. Nos próximos cinco dias, ela será nossa para que a amemos. Nós nos tornamos seu hospital e a possibilidade de cura enche de vida a nossa sala-de-estar. Nada é dito e somos poucos, mas nós seremos a sua igreja, o corpo de Cristo tornando-se vivo para atender as necessidades dela, para escrever amor nos braços dela.

Ela é cheia de contrastes. Mais cheia de vida e próxima da morte do que qualquer um que eu já tenha conhecido, como uma música do Johnny Cash ou alguma estrela do cinema. Ela é dona de uma atitude e humor que vão além dos seus 19 anos, e quando ela me conta sua história, ela é humilde, quieta e gentil, moldada pela dor de cem vidas. Eu me sento, privilegiado mas me quebranto por dentro enquanto ela abre seu coração. Sua vida tem sido tão cheia de trevas mas ainda há alguma leve esperança em suas palavras, e por várias noites consecutivas eu observo as mais belas garotas da sala dizerem-na o quanto é bonita. Eu acho que é Deus lembrando ela.

Eu nunca caminhei por essa estrada, mas decidi que se nós estamos prestes a entrar em um período de reabilitação de cinco dias, vai ser a reabilitação mais legal do país. Vai ser rock and roll. Nós começaremos com o básico: muita diversão, muitas idas ao Starbucks e cigarros até demais.

Quinta à noite ela está no camarote para ver a Band Marino, a melhor de Orlando. Eles são uma banda de “indie-folk-fabulous”, um movimento disfarçado de circo. Ela os ama e sorri quando eu aponto para o agente da Atlantic Europe, vindo de Londres, que está na cidade apenas para ver esse show.

Ela está em bons assentos quando o Orlando Magic ganha dos Sonics na noite seguinte, gritando como uma fã de longa data com todas as enterradas de Dwight Howard. No caminho para casa nós paramos para mais café e livros, “Blue Like Jazz” e “Travelling Mercies”.

No sábado, a turnê “Taste of Chaos” está na cidade e nem tenho certeza de que nós conseguiremos entrar, mas as portas se abrem e minutos após estacionarmos, estamos no palco para ver Thrice, uma de suas bandas favoritas. Ela fica a três metros do baterista, sorrindo constantemente. Há um momento brilhante na música, quando luz e chuva colidem acima do palco. Um sentimento de cura. É certamente esperança.

Domingo à noite é a igreja, e muitos se juntam após a reunião para orar por Renee, essa é a última noite antes de entrar na reabilitação. Alguns são estranhos, mas todos são amigos nessa noite. As orações movem-se de quebrantadas para confiantes, todas encorajando-a. Nós estamos falando com Deus, mas eu acho que estamos falando com ela, mostrando o quanto ela é amada, dizendo que ela não irá sozinha. Um de nós a conhece melhor. Ryan senta no canto dedilhando um violão, cantando músicas que ela inspirou.

Após a igreja nossa casa enche de amigos, ali por mais alguns instantes antes de dizer adeus. Todos tem algum presente para ela, alguma carta ou abraço ou pequenos encorajamentos. Ela me puxa de canto e diz que gostaria de me dar algo. Eu sorrio surpreso, me perguntando o que poderia ser. Nós andamos da sala cheia até a garagem, para as coisas dela.

Ela me dá sua última lâmina, me diz que é aquela que ela usou para cortar seu braço e para alinhar suas últimas fileiras de cocaína cinco noites atrás. Ela esteve com a lâmina desde então, e me diz que como essa será sua noite mais difícil ela não deveria ficar com aquilo. Eu pego a lâmina com cuidado, agradeço e sei imediatamente que esse momento, esse presente, ficará comigo para sempre. Me atinge o pensamento de que esse grande sentimento é o que Cristo sente quando nós rendemos nossos corações partidos, quando nós trocamos a morte pela vida.

Enquanto chegamos ao centro de tratamento, ela conclui: “As estrelas estão sempre lá, mas sentimos a falta delas entre a poluição e as nuvens. Nós sentimos a falta delas durante tempestades. Diga à todos para lembrarem da esperança. Nós temos esperança.”

Eu tenho observado a vida voltar pra ela, e isso tem sido um privilégio. Quando nosso tempo com ela começou, alguém sugeriu que deveria haver retorno, mas essa é a linguagem dos negócios. Amor é algo melhor. Eu tenho sido desafiado e transformado, tenho lembrado que amor é aquela resposta simples de tantas questões difíceis. Don Miller diz que nós somos convocados à darmos as mãos contra as feridas de um mundo fraturado, a fim de parar o sangramento. Eu concordo totalmente.

Nós freqüentemente pedimos a Deus que apareça. Nós oramos pedindo resgate. Talvez Deus nos peça pra sermos esse resgate, para sermos Seu corpo, nos mover para as coisas que importam. Ele não está invisível quando acordamos pra vida. Eu posso ser simples, mas cada vez mais acredito que Deus age no amor, fala pelo amor, é revelado em nosso amor. Eu vi isso essa semana e honestamente, foi bem simples: Pegue uma garota machucada, trate-a como uma princesa famosa, dê a ela os melhores lugares na casa. Compre o café e os cigarros dela para os próximos dias, livros e coisas de banheiro para os dias que virão. Diga a ela algo verdadeiro quando tudo que ela conhece são mentiras. Diga que Deus a ama. Fale com ela sobre o perdão, a possibilidade da liberdade, diga que ela foi feita para dançar em vestidos brancos. Todas essas coisas são verdade.

Nós somos apenas requisitados para amar, para oferecer esperança à tantos desesperançosos. Nós não podemos escolher todos os finais, mas devemos cumprir o papel de resgatadores. Nós não iremos resolver todos os mistérios, e nossos corações certamente irão se partir em uma vida tão vulnerável, mas esse é o melhor caminho. Nós fomos feitos para ser amantes fortes em lugares despedaçados, derramando de nós por aí vez após vez até sermos chamados pra casa.

Eu aprendi tanta coisa em uma semana com uma garota corajosa. Ela está viva agora, na segurança e na paciência de uma reabilitação, coberta com as de marcas da loucura mas decidindo acreditar que Deus renova as coisas, que Ele significa esperança e cura nas estrelas. Ela iria pedir para você lembrar.

Jamie Tworkowski

Fonte: To Write Love On Her Arms http://www.twloha.com/

Tradução: Kleber Pessoa

UPDATE: Saiba mais sobre o movimento que surgiu a partir desta história: http://solomon1.com/a/2008/10/136/